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How to Cite:
D’Elia Oliveira, L.E., Dutok-Sánchez, C.M., Balieiro Monteiro, R., de Medeiros, F.A. (2022). Aplicação de Annona glabra L. (Annonaceae) na área da saúde, composição química e atividade biológica. Amazonia Investiga, 11(49), 224-238. https://doi.org/10.34069/AI/2022.49.01.25

99Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Universidade Federal do Amapá, Rodovia Juscelino Kubitschek, Brasil.
100Curso de Enfermagem Campus Binacional do Oiapoque, Universidade Federal do Amapá, Bairro Universidade, Oiapoque, Brasil. Centro Universitário Leonardo da Vinci, Brasil.
101Curso de Licenciatura em Química, Universidade Federal do Amapá, Rodovia Juscelino Kubitschek, Brasil.
102Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Universidade Federal do Amapá, Rodovia Juscelino Kubitschek, Brasil.

Introdução

A espécie Annona glabra L. (Annonaceae) (Figura 1), é uma planta com ampla distribuição, principalmente nas regiões tropicais e subtropicais (Zotz, Tyree & Patiño, 1997). Encontrada nas margens de lagos e rios, se desenvolvem em ambientes sujeitos a inundações podendo durar por períodos curtos, longos ou até permanecendo constantemente inundados (Campbell, Stone & Rosas, 1992; Croat, 1978). Também ocorrendo em habitats pantanosos de manguezais, são tolerantes a água salgada ou salobra, não sendo capazes de sobreviver em terrenos com escassez hídrica, solos arenosos e bem drenados (Goodrich & Raguso, 2009; Matsumoto et al., 2014; Zotz, Tyree, & Patiño, 1997) e quando expostas a condições de seca suas raízes rapidamente são afetadas (Goodrich & Raguso, 2009; Zotz et al., 1997).
A espécie A. glabra apresenta aplicações na área da saúde com propriedades relacionadas à fitoquímica e na medicina tradicional, os extratos crus são empregues no sistema de saúde chinês, japonês e mexicano (Cochrane et al., 2008); em relação a atividade biológica, nos frutos encontram-se compostos (acetogeninas, ent-cauranos, peptídeos e alcalóides) com inúmeras propriedades clínicas e farmacológicas em seres humanos (Anh et al., 2014).

Algumas das propriedades ligadas à espécie são relacionadas a sua ação inseticida (Chang et al., 2000; de Mendonça et al., 2005; Ohsawa et al., 1991; Padmaja et al., 1995; Zeng et al., 1996); antimicrobiana (Galvão et al., 2016; Padmaja et al., 1995; Zeng et al., 1996); antifúngica (Padmaja et al., 1995); antiparasitária (Balbach, 1995; Ohsawa et al., 1991); antirreumática e emoliente (Balbach, 1995); inibição das células carcinogênicas, leucemia linfocítica crônica e do complexo mitocondrial I (Cochrane et al., 2008; Li et al., 1998; Liu et al., 1998; Matsumoto et al., 2014); antioxidantes (Gonçalves et al., 2010; Genovese et al., 2008); significativa inibição da replicação do HIV em linfócitos H9 e na inibição do transcriptase reversa (HIV-1) (Chang et al., 1998).

Annona glabra L. (A); Folhas (B); Frutos (C1 e C2); e Ramo floral – folhas, flor em desenvolvimento e frutos (D)

Figura 1. Annona glabra L. (A); Folhas (B); Frutos (C1 e C2); e Ramo floral – folhas, flor em desenvolvimento e frutos (D).

Marco teórico

A família Annonaceae é o grupo de maior relevância inserido na ordem Magnoliades, constituído aproximadamente de 135 gêneros e 2.500 espécies, sendo considerada uma das maiores entre as angiospermas basais (Chatrou, Rainer, & Maas, 2004; Group, 2009; APG, 2003; Tsou & Fu, 2002). O gênero Annona L.nativa da região Neotropical – Américas (Central e Sul) e África tropical, é formado por cerca de 175 espécies (Fries, 1959; Larranaga & Hormaza, 2015). Os frutos produzidos por algumas espécies do gênero eram apreciados e cultivados por civilizações pré-colombianas na América Central e do Sul (Larranaga & Hormaza, 2015; NAP, 1989) sendo esta prática mantida até os dias atuais em países em desenvolvimento com climas tropicais e subtropicais (Larranaga & Hormaza, 2015).

A espécie Annona glabra L. (Annonaceae), Annona australis, Annona palustris ou Annona palustris var. grandiflora, possui diversos nomes populares como araticum do brejo, araticum-cortiça, araticum da praia, araticum, araticum de jangada, araticum do rio, araticum-panã, anona-lisa, panã, maçã de jacaré, araticupana e ou em inglês pond-apple (Corrêa, 1984; Pontes, Barbosa, & Maas, 2004). A espécie A. glabra é constituída por plantas de pequeno porte (arbustos ou arvoretas), frutífera, com ampla distribuição geográfica e é encontrada nas margens de lagos e rios, se desenvolvendo em ambientes sujeitos a inundações podendo durar por períodos curtos, longos ou até constantemente inundados (Campbell et al., 1992; Croat, 1978), isso se deve ao seu sistema hidráulico de troncos e galhos eficientes, similar a outras espécies encontradas em regiões tropicais e temperadas (Scherer, 1995; Zotz, 1995; Zotz et al., 1997).

Emterritório brasileiro, a espécie apresenta uma ampla distribuição passando pelos estados do Amapá, Pará, Paraíba, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Bahia, Alagoas, Sergipe, Minas Gerais, Espírito Santo, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina (Lobão, Araujo, & Kurtz, 2005; Maas et al., 2001; Pontes et al., 2004).

As plantas dessa espécie (Figura 1) possuem folhas oblongas ou ovado-lanceoladas, cartáceas, subcoriáceas e glabras com pecíolo longo; flores isoladas, terminais, com pétalas carnudas, coloração esbranquiçada típica das Annonaceae tropicais e com uma fragrância que remete à acetona; os frutos são de tom amarelado, sincárpico e obovado à ovado semelhante a uma maçã, contudo o consumo não se destaca frente a outros representantes do gênero (CNCFlora, 2012; Chatrou et al., 2012; Chen, Chang, Cho & Wu, 2000; Group, 2009; Larranaga & Hormaza, 2015; Lobão et al., 2005; Maas et al., 2001; Matsumoto et al., 2014; Pontes et al., 2004).

Sua madeira apresenta diversas virtudes aumentando seu valor comercial com aplicabilidades em torno da carpintaria, caixotaria, confecções de ripas, mastros e remos de pequenas embarcações e suas raízes têm como finalidade a confecção de cortiças (Lobão et al., 2005).
O período de floração, no estado do Rio de Janeiro, ocorre em junho, setembro, novembro e dezembro (Lobão et al., 2005) e a frutificação passa pelos meses de janeiro a março, junho e dezembro, com a dispersão dos frutos ocorrendo por hidrocoria (CNCFlora, 2012). Através do trabalho de Goodrich & Raguso (2009), é sugerido que besouros realizam a polinização da espécie devido a característica do odor e por se intensificar após o pôr do sol (Gottsberger, 1999; Jürgens, Webber & Gottsberger, 2000; Silberbauer-Gottsberger, Gottsberger & Webber, 2003).

Devido a sua biologia, a espécie se torna ideal para estudos de adaptações fisiológicas de plantas tolerantes a ambientes ricos em recursos hídricos, além de exercer um importante papel na sucessão ecológica, como fica evidenciado em alguns estudos (Croat, 1978; Zotz et al., 1997).

Metodologia

Os artigos selecionados para o trabalho forneceram dados sobre a aplicabilidade da espécie A. glabra na área da saúde, composição química e atividade biológica (Figura 2), sendo desconsiderados os artigos que não preencheram esses requisitos. A seleção dos trabalhos ocorreu através da utilização de palavras chaves em diferentes combinações: Annona glabra, saúde, compostos químicos e atividade biológica. Plataformas bibliográficas utilizadas: Annual Reviews, Europe PMC, Google Acadêmico, Indian Journals, PubMed, ResearchGate, SAGE journals, Scielo, ScienceDirect, Scientific Reports, Semantic Scholar, Wiley Online Library e J-STAGE.

Diagrama de fluxo para seleção dos artigos

Figura 2. Diagrama de fluxo para seleção dos artigos.

Resultados e discussões

Os artigos que compõem este estudo analisaram os constituintes químicos das diferentes partes da planta A. glabra, sua atividade biológica e ação farmacológica (Tabela 1). Diversas linhas de pesquisas se debruçaram sob os constituintes químicos, a fim de entender melhor a composição particular de cada estrutura da espécie A. glabra e sua possível aplicabilidade ligada a área da saúde.

As acetogeninas anonáceas são derivadas de ácidos graxos de cadeia longa, sendo os constituintes majoritários nos membros da família Annonaceae (Alali, Liu, & McLaughlin, 1999). Elas formam uma classe de compostos com propriedades anticarcinogênica, capazes de inibir a NADH oxidase da membrana plasmática ligada à ubiquinona das células cancerosas e a produção de ATP via bloqueio do complexo I mitocondrial (Cochrane et al., 2008; Gallardo et al., 1998; Liu et al., 1998; Miyoshi et al., 1998; Morré et al., 1995); apresentam atividade antimalárica (Balbach, 1995); antiparasitária (Balbach, 1995; Ohsawa et al., 1991); e inseticida, interferindo no transporte de elétrons nas mitocôndrias dos insetos (de Mendonça et al., 2005 Ohsawa et al., 1991; Padmaja et al., 1995; Zeng et al., 1996).

Ao trabalhar com extrato metanólico do caule de A. glabra (Chen et al., 2000) descobriram três novos diterpenóides de caurano: anoglabasina C (16α-acetoxi-ent-cauran-19-óico ácido-17-éster metílico) anoglabasina D (éster 16α-acetoxi-ent-cauran-19-al-17-metil) e anoglabasina E (ácido 16α-hidro-19-ol-ent-cauran-17-óico); um novo diterpenóide norcaurano, anoglabasina F (16α‑acetoxi-19-nor-ent-cauran-4α-ol-17-metil éster) e 13 cauranos derivados conhecidos (ácido 16α-Metoxi-ent-cauran-19-óico, éster 16α-hidro-ent-cauran-17,19-dimetil, ácido 16β,17-dihidroxi-ent-cauran-19-óico, ácido 16β,17-diacetoxi-ent-cauran-19-óico, ácido 16α-hidro-ent-cauran-17,19-dióico, ácido ent-caur-16-en-19-óico, ácido 16α-hidro-19-al-ent-cauran-17-óico, éster 16α-hidro-19-al-ent-cauran-17-metil, ácido 16α-hidroxi-ent-cauran-19-óico, ácido 16α-hidro-ent-cauran-17-óico, ácido ent-caur-15-en-17-ol-19-óico, ent-caur-15-en-17,19-diol e ácido 19-nor-ent-cauran-4α-ol-17-óico). Pela primeira vez foram isolados a partir de fonte natural o ácido 16α‑Metoxi-ent-cauran-19-óico e o éster 16α-hidro-ent-cauran-17,19-dimetil. Já no estudo realizado por (Chen et al., 2004), descobriram um novo diterpenóide dimérico de caurano denominado annoglabayin nos frutos de A. glabra.

Na busca por bioativos, utilizando extratos etanólicos das folhas de A. glabra, foram isolados os compostos glacinas A e B. Essas acetogeninas foram submetidas a testes de citotoxidade in vitro contra diferentes linhagens celulares tumorais, sendo demonstrada sua capacidade e seletividade (Liu et al., 1998). Em seus trabalhosMatsumoto et al. (2014) e Rocha et al. (2017), isolaram e identificaram a partir das folhas, oito compostos, sendo dois esteróides (β‑sistosterol e estigmasterol), cinco diterpenos com o esqueleto de caurano (ácido ent-caur-16-en-19-óico, ácido ent-19-metoxi-19-oxocauran-17-óico, anoglabasina B, ácido ent-17-hidroxicaur-15-en-19-óico e ácido ent-15β,16β-epoxi-17-hidroxi-cauran-19-óico) e a acetogenina asimicina. Já Lee et al. (2015), através dos extratos etanólicos provenientes das folhas, obteve os seguintes compostos: (-)-N-metilactinodafinina, (-)‑actinodafinina, (+)-boldina, (-)-anolobina, (-)-asimilobina, (+)‑norisodomesticina, (-)-roemerolina, (+)-reticulina, (-)-(6aS,7R)-7-hidroxiactinodafinina, (+)-1S,2S-reticulina N-óxido, liriodenina, (-)-palidina, (+)‑estearina, (+)-magnofloro, quercetina, quercetina−3-O-β-D-galactopiranosídeo, 3-O-β-D-glucopiranosídeo e 3-O-α-L-arabinopiranosídeo. Entre eles, (-) - anolobina e (-) - roemerolina demonstravam atividade inibitória satisfatória contra acetilcolinesterase com valores de IC50 (concentração inibitória) de 22,4 e 26,3 μM, respectivamente. A hipótese colinérgica levantada pelos autores seria uma alternativa para o tratamento do Alzheimer, onde esses inibidores atuariam sobre a taxa de acetilcolina nas sinapses colinérgicas do córtex cerebral (Lee et al.  2015).

Chang et al. (1998) descobriram dois novos diterpenóides cauranos derivados dos frutos, anoglabasina A (metil-16β-acetoxi-19-al-ent-cauran-17-oato) e anoglabasina B (16α-hidro-19-acetoxi-ent-ácido cauran-17-óico). Outros compostos foram encontrados, porém estes já haviam sido isolados anteriormente: ácido ent-caur-16-en-19-óico; ácido 16α,17-dihidroxi-ent-cauran-19-óico; ácido 16β-hidroxi-17-acetoxi-ent-cauran-19-óico; ácido 16β-hidro-ent-cauran-17-óico; ácido 16α-hidro-ent-cauran-17-óico; ent-caur-16-en-19-ol; ent-caur-15-eno-17,19-diol; ácido 16α-hidro-19-al-ent-cauran-17-óico; metil-16α-hidro-19-al-ent-cauran-17-oato; 16β-hidroxil-17-acetoxy-ent-cauran-19-al e ácido 19-nor-ent-cauran-4α-ol-17-oico. Contudo verificou-se que o composto metil-16α-hidro-19-al-ent-cauran-17-oato demonstrou atividade leve contra a replicação do HIV em células de linfócitos H9 e o ácido 16α-17-dihidroxi-ent-cauran-19-óico inibiu significativamente a transcriptase reversa do HIV.

A obtenção dos compostos derivados do material vegetal pode variar de acordo com a técnica que será empregue e o tipo de amostra a ser analisada durante o trabalho. Ao estudarem a composição química floral de A. glabra, foram encontrados os compostos 1,8-cineol (eucaliptol), acetato de 3-pentanil e 3-pentanol, produtos esses majoritários desta estrutura (Goodrich & Raguso, 2009). Li et al. (1998 e 1999), trabalhando apenas com as sementes isolaram e caracterizaram os compostos glabrina A, B, C e D.

Chang et al. (2000) isolaram uma série de compostos a partir dos frutos e caules, sendo dioxoaporfina - annobraine; duas oxoaporfinas – liriodenina e lisicamina; cinco aporfinas – (-)-nornuciferina, (-)-anonaina, (‑)‑N‑formilanonaine, (-)-asimilobina e (+)-nordomesticina; uma proaporfina – (+)‑esteparina; duas protoberberinas – (-)-quicemanina e desidrocorydalmina; uma azaantraquinona – 1-aza-4-metil-2-oxo-1,2-dihidro-9,10-antracenodi-ona; duas amidas – N-trans-feruloiltiramina e N-p-coumaroiltiramina; uma ionona – blumenol A; cinco esteróides – ß-sitosterol, estigmasterol, ß-sitosteril-D-glucosídeo, estigmasteril-D-glucosídeo e 6-O-palmitoil-ß-sitosteril-D-glucosídeo.

Em trabalho realizado com Annona spp. provenientes do Vietnã, foi analisada a composição química dos diferentes óleos voláteis. Entre as espécies a A. glabra apresentou como constituintes majoritários β-cariofileno (21,5%), germacreno D (17,7%), α-cadinol (5,4%), β-elemeno (5,2%), α-felandreno (4,3%) e α-cariofileno (3,6%) (Thang, Dai, Hoi, & Ogunwande, 2013). Foi observado variações na composição e nas concentrações dos compostos isolados das suas amostras em relação a outros autores, como visto no trabalho de Santos et al.  (1998), que analisaram os óleos dos frutos de A. glabra no Brasil em três diferentes estágios (verde, meio maduro e maduro) – terpenóides α-pineno (18,5; 11,3; 15%), limoneno (20; 20,7; 20,6%), α-felandreno (21; 1,2; 2%) e (E)-β-ocimeno (15,8; 19,7; 18;3%). Enquanto que Pino; Marbot; Agüero (2002) com bagas provindas de Cuba, encontraram mirceno (47,1%), (Z)-β-ocimeno (16,3%), limoneno (11,2%) e α-pineno (9,5%), sendo setenta e oito compostos identificados pela primeira vez como componentes voláteis nesta planta. Os sesquiterpenos foi a classe dominante do óleo de A. glabra para a região do Vietnã, divergindo do que foi observado com os óleos do Brasil e de Cuba com os terpenóides (Pino, Marbot, & Agüero, 2002; Santos et al., 1998). A diferença nos constituintes químicos dos óleos de uma planta pode variar de acordo com inúmeros fatores bióticos (parte analisada, idade da planta, presença de predadores e parasitas e o local de coleta das amostras) e abióticos (estação climática, técnica de coleta, nutrientes disponíveis, temperatura e luz).

Através do trabalho de Anh et al. (2014), foi descoberto um novo glicosídeo ent-caurano (anoglabasina H) e isolados três compostos já conhecidos anoglabasina E, anoglabasina B e ácido 19-nor-ent-caurent-4-ol-17-óico, a partir dos frutos de A. glabra coletados na cidade de Ho Chi Minh (Vietnã). As atividades citotóxicas dos compostos foram aferidas através do ensaio de brometo de 3-[4,5-dimetiltiazol-2-il] -2,5-difeniltetrazólio (MTT) sobre quatro linhagens de células de câncer humano (LU-1, MCF-7, SK-Mel2 e KB), tendo se destacado o composto anoglabasina H, devido sua atividade moderada comprovada em todos os testes com CL50 (concentração letal) entre 3,7 a 4,6 μM.

Ao trabalhar como o extrato metanólico dos frutos de A. glabra,Hien et al. (2015) isolaram acetogeninas, ent-cauranos, peptídeos e alcalóides, totalizando nove compostos: um novo (2E,4E,1’R,3’S,5’R,6’S)- ácido di-hidrofásico 1,3-di-O-β-D-glucopiranosídeo e outros oitos compostos conhecidos (2E,4E,1’R,3’S,5’R,6’S)- ácido di-hidrofásico 3’-O-β-D-glucopiranosídeo, icarisídeo D2, icarisídeo D2 6’-O-β-D-xilopiranosídeo, 3,4-dimetoxifenil O-β-D-glucopiranosídeo, ácido 3,4-di-hidroxibenzoico, blumenol A, cucumegastigmane I e icarisida B1. O compostoicarisídeo D2 apresentou atividade citotóxica (teste MTT) significativa na linhagem celular de câncer HL-60 com IC50 de 9,0 ± 1,0 μM, sendo observado alterações nas proteínas relacionadas a apoptose, sinalizando alteração na expressão das mesmas e diminuição da fosforilação de AKT em células HL-60.

As partes aéreas (galhos) da espécie A. glabra são fontes de substâncias com função inseticida (Chen et al., 2000; de Mendonça et al., 2005; Ohsawa et al., 1991; Padmaja et al., 1995; Zeng et al., 1996), esporicida (Padmaja et al., 1995), atividade citotóxica e ação larvicida sob a espécie A. aegypti (Amarasinghe et al., 2020; de Mendonça et al., 2005). Em estudos preliminares, o extrato hexânico da casca do caule apresentou ação antimicrobiana e anti-helmíntica, tendo como constituinte majoritário o ácido (-) caur-16-en-19-óico (Padmaja et al., 1995).

Nas folhas de A. glabra são encontradas acetogeninas, compostos com atividade contra diferentes células tumorais (Liu, Pilarinou, & McLaughlin, 1999). De acordo com Padmaja et al. (1995), a casca e folhas são usadas tradicionalmente como inseticida e parasiticida na região de Kerala (Índia). Rocha et al. (2017) analisaram os efeitos dos extratos de acetona provenientes das folhas sobre as algas Rhaphidocelis subcapitata (Korshikov) e no oomiceto Pythium aphanidermatum (Edson). Dentre os resultados obtidos não foi detectado nenhum efeito das concentrações do extrato da folha até 75 mg/L, porém efeitos inibitórios iniciaram a partir de 125 mg/L em R. subcapitata. Os efeitos foram a redução da taxa de crescimento e da biomassa final das algas, tendo sido alcançado inibição total das microalgas a partir da concentração de 200 mg/L, sem haver diferença estatística significativa entre as três maiores concentrações. Os autores destacam que os efeitos inibitórios sobre P. aphanidermatum na concentração de 125 µg/disco foram similares aos fungicidas Cicloheximida e Bifonazol. Pressupõem que tais resultados se devam aos constituintes químicos das folhas da planta, pois estes são apontados pela literatura possuindo atividade antifúngica, o que explicaria também a atividade anti-oomiceto.

Zhang et al. (2004) estudaram os efeitos inibitórios de dois diterpenóides, ácido cunábico (ácido ent-caur-16-en-19-óico) e o ácido ent-cauran-19-al-17-óico, derivados de A. glabra na proliferação celular de câncer de fígado humano (CFH) SMMC-7721 através do ensaio MTT. Os resultados levantados pela pesquisa mostram efeito inibitório para ambos diterpenóides, apresentando dose dependente por tempo, onde a dosagem mínima necessária foi de >5 µmol/L para ácido cunábico e de >10 µmol/L para ácido ent-cauran-19-al-17-óico. O maior efeito inibitório de crescimento registrado envolveu o ácido cunábico (81,05% a 25 µmol/L, 72h), porém em dosagens mais elevadas a inibição não seguiu essa tendência. Para o ácido ent-cauran-19-al-17-óico, o maior percentual inibitório foi de 56,86% a 75 µmol/L (72h), sendo observado neste caso o efeito inibitório dependente da concentração e do tempo.  Alterações morfológicas foram observadas com auxílio da microscopia de contraste de fase, fluorescencia, eletrônica de transmissão e de varredura. As anomalias encontradas nos testes envolviam apoptose, cromatina condensada e redução no volume. Através do citometria de fluxo foi obtida a porcentagem apoptótica celular, onde o ácido cunábico e ácido ent-cauran-19-al-17-óico (25 µmol/L a 48h) registraram 43,31% e 24,95%, respectivamente. Os compostos interferiram no ciclo celular bloqueando a progressão das células SMMC-7721 durante a fase S causando parada no estágio G0/G1. Análises imunohistoquímicas revelaram que houve indução de apoptose por meio da regulação negativa da expressão do gene bcl-2 e pela regulação positiva do gene bax. Os autores concluíram que os dois compostos diterpenóides atuaram inibindo de forma satisfatória na proliferação das células CFH SMMC-7721.

Através do trabalho de Galvão et al. (2016), foi demonstrado que os flavonóides derivados da fração de acetato de etila (FAE) das folhas de A. glabra possuem propriedades antimicrobianas sob Pseudomonas aeruginosa. A atividade antibacteriana ocorre em decorrência da atuação sob a superfície da parede celular bacteriana. Os resultados obtidos com FAE mostram atividade bacteriana contra diferentes cepas de P. aeruginosa e a sub-fração que mais se destacou foi SF32-33, abundante em flavonóides. Segundo Fang et al. (2016), os flavonóides interferem na viabilidade de Escherichia coli em decorrência de danos provocados na sua membrana externa. Wu et al. (2013) observaram a interação dos flavonóides com proteínas da parede celular de E. coli, acarretando na alteração de sua estrutura. Tal efeito poderia ter se repetido em P. aeruginosa quando submetida a SF 32-33 interferindo na sua viabilidade e crescimento. A SF32-33 apresentou os seguintes flavonóides: (-) epicatequina, fisetina, quercetina, rutina (glicosídeo de quercetina), hiperosídeo, isoquercitrina, quercitrina, caempferol 7-neohesperidosídeo, nicotiflorina e naringenina. Os resultados demonstram a viabilidade do uso do FAE das folhas de A. glabra no tratamento de infecções oriundas de P. aeruginosa (Galvão et al., 2016).

A eficácia anticarcinogênica dos extratos alcoólicos das folhas A. glabra foiestudada sobre as células de leucemia monocítica humana (LIU et al., 2018). As análises realizadas indicaram a presença de flavonóides, terpenóides, glicosídeos, esteróides, saponinas, taninos, antraquinonas e compostos ácidos nos extratos. Foram testadas 5 concentrações (20 a 100 µg/mL) tendo sido observada uma redução na viabilidade das células leucêmicas (1,8 a 27,3%) exibindo uma relação dose-dependencia; alterações morfológicas como mitocôndrias condensadas, fragmentadas e aglomeradas foram registradas; ocorrência de apoptose nas concentrações 80 µg/mL (10,7%) e 100 µg/mL (22,4%) dos extratos; e redução na migração das células leucêmicas. Segundo os autores, os extratos das folhas figuram como potenciais agentes anticâncer contra células de leucemia humana. Os ensaios realizados ABTS, DPPH e FRAP confirmaram a capacidade de eliminar os radicais livres por parte dos extratos de folhas de A. glabra. Com base nos dados obtidos, foi possível atestar a eficácia in vitro doextrato foliar de A. glabra em células de leucemia humana (LIU et al., 2018).

Amarasinghe et al. (2020) analisaram o potencial larvicida de nanopartículas derivadas das folhas de A. glabra (An-AgNPs) e o extrato aquoso bruto no controle de larvas (L3) de A. aegypti e Aedes albopictus. Os resultados com An-AgNPs foram considerados satisfatórios com CL50 – 24h de exposição: A. aegypti (extrato vegetal: AgNO3 1:10) 5,29 mg/L e (AgNO3 2:10) 2,43 mg/L; enquanto A. albopictus (AgNO3 1:10) 3,02 mg/L e (AgNO3 2:10) 2,51 mg/L. Os valores de CL50 (24h) obtidos para o extrato aquoso bruto contra A. aegypti e A. albopictus foram 5,94 mg/L e 5,00 mg/L, respectivamente. A espécie A. albopictus demonstrou ser mais suscetível em ambos os testes(An-AgNPs e extrato aquoso bruto), com exceção do teste An-AgNPs (AgNO3 2:10) e entre os produtos analisados as nanoformulações demonstraram atividade larvicida superior no controle dos mosquitos vetores.

O estudo realizado por de Mendonça et al. (2005) testou uma série de extratos e óleos de plantas medicinais brasileiras a fim de aferir as atividades inseticidas, utilizando a metodologia preconizada pela OMS (WHO, 1996). O extrato etanólico mais ativo foi de A. glabra, preparado em aparelho Soxhlet a partir do caule, apresentando uma CL50 de 27 μg/L (de Mendonça et al., 2005). Os resultados encontrados para as larvas de A. aegypti não são inesperados, pois Mendonça (2003) já havia demonstrado a atividade inseticida da planta, desta vez, derivada dos extratos das sementes.

dos Santos & Sant’Ana (2001), realizaram testes para avaliar a atividade dos extratos etanólicos de seis espécies de Annonaceae, entre elas encontrava-se A. glabra. A maioria dos extratos analisados sobre Biomphalaria glabrata,massa de ovos e fase adulta, apresentou letalidade sobre o molusco. B. glabrata possui papel vital no ciclo de vida da esquistossomose servindo como hospedeiro intermediário e o controle desse invertebrado é fundamental para reduzir o número de casos da doença. Os testes para ambas as fases de desenvolvimento do caracol seguiram o modelo preconizado pela OMS (WHO, 1983). Os resultados encontrados para os extratos derivados das folhas e sementes (ppm) de A. glabra sobre B. glabrata (fase adulta) foram DL50 (0,97 e 9,23) e DL90 (3,79 e 17,02), contudo para a massa de ovos foi observada inatividade dos extratos Santos & Sant’Ana (2001).

Tabela 1.
Constituintes químicos encontrados em diferentes partes de Annona glabra.

Constituintes químicos encontrados em diferentes partes de Annona glabra

Conclusões

Os estudos sobre a espécie A. glabra apresentam dados promissores sobre atividades anticarcinogênica, antioxidantes, antirreumática, antimicrobiana, antifúngica, inseticida, vermicida e antiparasitária. Apesar de ser utilizada a tempos na medicina tradicional, infelizmente as informações acerca de suas atividades alelopáticas são pouco conhecidas devido à escassez de pesquisas e consequentemente nenhum estudo alcançou a fase de testagem clínica.

Mais estudos sobre sua bioquímica e fisiologia necessitam ser realizados, a fim de atestar essas propriedades. Caso sejam confirmados, testes mais aprofundados e voltados à elaboração de um produto final precisam ser realizados para atender as necessidades humanas.  Este estudo buscou ser fonte de estímulo para novas pesquisas abordando a atividade biológica e farmacológica, in vitro e in vivo,das diferentes peças florais de A. glabra.